ACADÊMICO

Contrato de namoro e o atual entendimento jurisprudencial

Com o avanço da legislação brasileira em relação à constituição familiar, em especial ao reconhecimento da união estável – que atribui direitos e deveres às partes envolvidas em sinônimo à união civil do casamento, principalmente no que se refere a questões patrimoniais –, a análise que será realizada no presente artigo é justamente em relação à possibilidade de confusão entre a identificação de união estável ou namoro, e como a jurisprudência atual tem se portado sobre o tema.

Não são raras as vezes em que um namoro é reconhecido – erroneamente – como união estável, ainda que não se tenha o cumprimento dos requisitos dispostos no Código Civil, e, ao término da relação – repita-se, erroneamente – acompanha todos os efeitos de uma suposta união estável, inclusive, patrimoniais.

Dito isto, a questão a ser abordada é o fato de que nem todo namoro tem por finalidade a constituição familiar, requisito este primordial para que haja o reconhecimento da união estável, sendo certo que, para que não haja esse risco futuramente, tem aumentado a frequência com que casais buscam os operadores do direito para que estabeleçam as regras do convívio afetivo em questão, através da elaboração do contrato de namoro.

O ponto primordial da discussão deste artigo é o posicionamento atual da jurisprudência em relação ao reconhecimento da validade do contrato de namoro e, consequentemente, do não reconhecimento da união estável nestas relações, que adianta-se – assim como na doutrina – possui divergências, porém, com recentes decisões proferidas de grande valia e que podem ser consideradas um passo importante para a pacificação do tema.

Definições

O Código Civil de 2002 dispõe de artigos voltados especialmente para a união estável, sendo que o artigo 1.723 determina que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, e estabelecida com o objetivo de constituição de família”, e, seguindo o mesmo sentido, a Constituição de 1988 determina no artigo 226, §3º que “para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher, como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

Um ponto de atualização e destaque importante é que atualmente, considerando a evolução social e fática, o reconhecimento da união estável – atendidos os requisitos legais – não se molda apenas a relações que envolvam homem e mulher, mas também a relações homoafetivas, entendimento este já consolidado pelo Superior Tribunal Federal.

Contudo, em relação ao namoro não há uma definição legal e quiçá a atribuição de efeitos jurídicos desta relação, porém, há fortes conceitos doutrinários que atualmente têm sido levados em conta para o reconhecimento da validade do contrato de namoro, bem como, para a distinção da união estável – que, inclusive, é uma linha absolutamente tênue, distinguindo-se apenas pela intenção ou pretensão do casal de constituição familiar.

Dentre as inúmeras definições de namoro existentes na doutrina, adotamos no presente artigo a que mais se aproxima das fundamentações jurisprudenciais atuais, favoráveis ao reconhecimento do contrato de namoro, trazida por Rodrigo da Cunha Pereira:

Namoro é o relacionamento entre duas pessoas sem caracterizar uma entidade familiar. Pode ser a preparação para a constituição de uma família futura, enquanto na união estável, a família já existe. Assim, o que distingue esses dois institutos é o animus familiae, reconhecido pelas partes e pela sociedade (trato e fama).

Existem namoros longos que nunca se transformaram em entidade familiar e relacionamentos curtos que logo se caracterizam como união estável. O mesmo se diga com relação à presença de filhos, que pode se dar tanto no namoro quanto na união estável” [1].

Ou seja, o principal ponto de diferenciação entre o namoro e a união estável – utilizando inclusive os requisitos legais que tratam a união estável, é a intenção de constituição familiar, qual seja, o animus familiae, visto que na união estável o animus de constituição familiar é existente no presente momento, enquanto no namoro é, ou pode vir a ser, uma pretensão futura, e não atual.

Contrato de namoro

Diferenciadas ambas as relações tratadas neste artigo, união estável e namoro, passamos a analisar o instrumento do contrato de namoro, que como mencionado anteriormente, tem se tornado uma prática com maior quantidade de adeptos, principalmente com a finalidade de proteção patrimonial ao fim da relação.

Apesar de não possuir previsão específica no Código Civil, o contrato de namoro é um instrumento particular como qualquer outro, do qual sua validade jurídica é analisada através dos requisitos formais de um contrato, havendo, portanto, à luz do que determina o artigo 104 do Código Civil, a verificação de capacidade das partes que estão realizando o contrato, averiguação do objeto que está sendo tratado ou disposto no contrato e, por fim, há análise de forma que deve ser prescrita ou não defesa em lei, podendo ser formalizado de forma pública (registro em cartório) ou particular (assinatura das partes envolvidas).

Em síntese, não passa de um instrumento com as declarações de vontades espontâneas  das partes de um relacionamento afetivo.

O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) [2], no ano de 2021 – quando a prática do contrato de namoro ainda não era comumente utilizada – destacou algumas características principais desse instrumento, dentre elas (1) a falta de obrigatoriedade de sua realização – sendo necessário apenas por vontade das partes; (2) o caráter e intenção de proteção patrimonial; (3) a ausência de diferenciação entre casais hetero ou homoafetivos; (4) a inexistência de vontade de constituição familiar; e (5) a possibilidade de invalidação em caso de reconhecimento de união estável, findando os efeitos jurídicos inicialmente desejados quando da elaboração do contrato.

Partindo desta última característica – possibilidade de invalidação do contrato de namoro – e da crescente utilização pela formalização deste instrumento, passamos a realizar uma análise das mais recentes decisões dos tribunais acerca do tema.

Jurisprudência

Atualmente, os entendimentos jurisprudenciais são variados, contudo, há uma forte tendência à validação e reconhecimento do contrato de namoro em sobreposição à união estável, especialmente quando há de forma explícita a ausência de intenção de constituição familiar – no momento atual –, o que não exclui a convivência afetiva, a coabitação, a publicidade do relacionamento e até mesmo a existência de prole.

Nesta seara, é de suma importância mencionar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no julgado do REsp 145643/RJ onde estabeleceu que:

“O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado “namoro qualificado” -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída.

(…) não vivenciaram uma união estável, mas sim um namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento projetaram para o futuro – e não para o presente -, o propósito de constituir uma entidade familiar”. (REsp 1.454.643/RJ, rel. ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, julgado em 3/3/2015, DJe 10/3/2015).

Inclusive, a título de curiosidade, cabe mencionar o fato de que a coabitação não implica no reconhecimento imediato de união estável, primeiro porque este não é um requisito essencial para o referido reconhecimento, e segundo porque deve levar em consideração o motivo da coabitação, que pode ser inúmero outros que não a projeção de constituição familiar, como a simples divisão de despesas diárias.

Neste contexto, destaca-se entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao apontar que, mesmo havendo relações sexuais, prole e compartilhamento de teto, pode ser que inexista o elemento fundamental da constituição de família:

“Apelação Cível. Ação ordinária postulando o restabelecimento de pensão por morte. Alegada união estável com o ex-servidor não reconhecida pelo RIOPREVIDÊNCIA. Sentença de improcedência do pedido. Inconformismo da autora. Para que seja caracterizado o instituto da união estável à época do óbito, é necessário a presença de convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o intuito de constituir núcleo familiar, nos termos preceituados pelo artigo 1.723 do Código Civil. Conforme estabelecido pelo STJ no REsp 145643/RJ, não é qualquer relação amorosa que caracteriza a união estável. Mesmo que celebrada em contrato escrito, pública e duradoura, com relações sexuais, com prole, e, até mesmo, com certo compartilhamento de teto, pode não estar presente o elemento fundamental consistente em desejar constituir família. Assim, o namoro aberto, a ‘amizade colorida’, o noivado não constituem união estável. É indispensável esse elemento subjetivo para a configuração da união estável. (…) Nessa (na união estável), diversamente, por se tratar de um estado de fato, demanda, para a sua conformação e verificação, a reiteração do comportamento do casal que revele, a um só tempo e de parte a parte, a comunhão integral e irrestrita de vidas e de esforços, de modo público e por lapso significativo. Tais elementos não foram demonstrados nos autos. A análise do conjunto probatório não demonstrou de maneira satisfatória a alegada união com o falecido na data do óbito. As provas produzidas pela recorrente são circunstanciais, não demonstrando a existência de união estável na data do óbito. Recurso a que se nega provimento.” (0002186-95.2019.8.19.0043 – APELAÇÃO. Des(a). CARLOS JOSÉ MARTINS GOMES – Julgamento: 29/02/2024 – 5ª CAMARA DE DIREITO PUBLICO (ANTIGA 16ª CÂMARA CÍVEL)

Nesta continuidade de raciocínio, e em consonância com o entendimento do STJ, encontramos base e respaldo para relevante decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que corroborou com o acordado entre os envolvidos no relacionamento através do contrato de namoro, e reconheceu a validade deste instrumento:

“APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO – DIREITO DE FAMÍLIA – (…) APELAÇÃO CÍVEL: CONTRATO PARTICULAR DE RECONHECIMENTO E EXTINÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL DO PRIMEIRO PERÍODO. CONTRATO DE NAMORO. CARACTERIZAÇÃO DE NAMORO QUALIFICADO NO SEGUNDO PERÍODO. VERIFICAÇÃO NA ESPÉCIE. VALIDADE DO INSTRUMENTO.PARTES MAIORES, CAPAZES, REPRESENTADAS POR ADVOGADOS E SEM PROVA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. (…) 1. De acordo com a lei, doutrina e jurisprudência em direito de família, para que o contrato de namoro qualificado ou união estável seja válido, é necessário que os agentes sejam capazes e o objeto seja lícito, possível, determinado ou determinável, observando forma prescrita ou não defesa em lei (…). O documento poderá ser público ou privado. 2. No REsp nº 1.454.643/RJ, o STJ esclareceu que ‘o propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar, do denominado ‘namoro qualificado’ -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída. 3. A Corte Infraconstitucional possui orientação no sentido de que a escolha do regime de bens em contrato escrito de união estável produz efeitos ex nunc, e que as cláusulas que estabeleçam a retroatividade desses efeitos são inválidas, devendo vigorar o regime de comunhão parcial de bens no período anterior à celebração do contrato. (…). APELAÇÃO CÍVEL: CONHECIDA E PROVIDA EM PARTE. RECURSO ADESIVO: CONHECIDO EM PARTE E NÃO PROVIDO”. (TJ-PR – 11ª Câmara Cível – 0002492-04.2019.8.16.0187 – Curitiba – rel. DESEMBARGADOR SIGURD ROBERTO BENGTSSON – J. 30.11.2022)

No mesmo sentido, há decisão de teor interessante, proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que reconhece a validade do contrato de namoro, nos termos:

“APELAÇÃO. Ação de reconhecimento e dissolução de união estável cumulada com partilha de bens. Sentença que julgou improcedente a ação. Inconformismo da parte autora. Não preenchidos os elementos essenciais caracterizadores da união estável previstos na lei. Contrato de namoro firmado pelas partes. Caracterizado simples namoro, sem intenção de formação de núcleo familiar. Sentença mantida. Recurso desprovido” (TJ-SP – AC. 1000884-65.2016.8.26.0288 – Relator: Rogério Murillo Pereira Cimino, Data de Julgamento: 25/06/2020, 9ª Câmara de Direito Privado – Datade Publicação: 25/06/2020).

Ou seja, o julgamento acima disposto, não apenas reconhece o contrato de namoro como válido para o “não reconhecimento” da união estável, como demonstra claramente o impacto desse reconhecimento no que se refere à proteção patrimonial das partes envolvidas no relacionamento.

Eficácia

Portanto, é possível pela ementa disposta identificar que a ação judicial em questão pretendia a dissolução da união estável e a formalização da partilha de bens – o que seria comum e devido caso de fato houvesse a constituição de união estável – porém, diante do reconhecimento de contrato de namoro, o patrimônio das partes envolvidas na relação em questão restaram protegidos, e, consequentemente, não houve que se falar em partilha, trazendo ao presente artigo a demonstração prática da eficácia da elaboração de um contrato de namoro que possui todos os requisitos preenchidos.

Não obstante, é de se destacar que, em algumas ocasiões, muito embora se esteja diante de um contrato de namoro válido, a análise a ser feita pelo magistrado numa eventual contenda judicial, diz respeito acerca do propósito de constituição de uma família, o que pode ser verificado através de elementos fáticos como a confusão financeira com administração conjunta dos contas e despesas do casal, ou comunhão de interesses e assistência moral, profissional e material que possam superar a configuração de um mero namoro.

A ocorrência de algum desses fatores, mesmo na vigência do contrato de namoro, pode ocasionar na conclusão, pelo magistrado, da configuração de união estável, à luz do que dispõe o artigo 1.723 do Código Civil.

Considerações finais

Conforme o exposto, conclui-se que o contrato de namoro, apesar de gerar alguns debates atualmente na doutrina e jurisprudência, foi o instituto criado – e que vem sendo muito utilizado – com a finalidade de afastar uma possível união estável, e ratificar que o relacionamento existente entre as partes naquele momento se trata de um namoro – com ausência de constituição familiar atual –, de modo que com a sua finalização, mantem-se preservada as vontades estabelecidas em contrato, inclusive no que tange ao patrimônio individual.

Apesar de um contrato atípico, ou seja, que não possui previsão expressa na legislação, verifica-se sua validade com o cumprimento dos requisitos gerais de um contrato, bem como, com que a vontade dos envolvidos no relacionamento e declaradas no instrumento contratual, esteja em consonância com a realidade dos fatos.

Por fim, ainda que a doutrina e a jurisprudência não estejam consolidadas em relação ao tema, o que se percebe – pelas últimas decisões proferidas pelos Tribunais e trazidas neste artigo – é que a tendência majoritária é pelo reconhecimento do contrato de namoro como instrumento válido de preservação de vontade das partes, especialmente no que tange à proteção patrimonial individual.


[1] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias/ Rodrigo da Cunha Pereira; prefácio Edson Fachin. –2. ed. –Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 235.

[2] IBDFAM –Instituto Brasileiro de Direito de Família.10 coisas que você precisa saber sobre contrato de namoro. Assessoria de comunicação do IBDFAM, 08/02/2021. Disponível em: <https://ibdfam.org.br/noticias/8138/10+coisas+que+voc%C3%AA+precisa+saber+sobre+contrato+de+namoro> Acesso em 27 jun 2024.

Com o avanço da legislação brasileira em relação à constituição familiar, em especial ao reconhecimento da união estável – que atribui direitos e deveres às partes envolvidas em sinônimo à união civil do casamento, principalmente no que se refere a questões patrimoniais –, a análise que será realizada no presente artigo é justamente em relação à possibilidade de confusão entre a identificação de união estável ou namoro, e como a jurisprudência atual tem se portado sobre o tema.

Assine nossa newsletter

plugins premium WordPress