No dia 23 de dezembro de 2024, foi sancionada a Lei nº 15.068/2024 (“Lei”), que (i) cria e regula os empreendimentos de economia solidária; (ii) estabelece a Política Nacional de Economia Solidária e o Sistema Nacional de Economia Solidária (Sinaes); e (iii) altera o Código Civil.
Apelidada de Lei Paul Singer, a norma busca fomentar a economia solidária e o trabalho associado e cooperativado, a fim de criar um marco regulatório de fortalecimento das iniciativas de práticas sustentáveis, de inclusão social e econômica no Brasil (ASG ou, em inglês “ESG”).
Assim, o Artigo 44 do Código Civil recebeu o inciso “vii”, introduzindo, assim, no rol de pessoa jurídica de direito privado os “empreendimentos de economia solidária”, como nova modalidade. Além disso, a redação da Lei nos leva a crer que as disposições referentes às associações, às sociedades e às cooperativas poderão ser aplicadas subsidiariamente aos empreendimentos de economia solidária, beneficiário da Política Nacional de Economia Solidária.
Abaixo destacamos demais pontos relevantes trazidos pela Lei:
i. Economia Solidária e Política Nacional de Economia Solidária
A economia solidária abrange atividades de produção, comercialização, consumo, crédito e distribuição, com base na autogestão, no comércio justo e solidário, na cooperação, solidariedade, gestão democrática, distribuição justa de riquezas, desenvolvimento sustentável, preservação do meio ambiente e valorização do ser humano, do trabalho e da cultura.
Segundo a Lei, a Política Nacional de Economia Solidária, é o mecanismo pelo qual o poder público, em parceria com a sociedade civil organizada, desenvolverá e executará planos e ações para promover a economia solidária.
A Lei indica que são considerados empreendimentos de economia solidária e beneficiários da Política Nacional de Economia Solidária aqueles que apresentam as seguintes características: i) organizações autogestionárias cujos membros exerçam coletivamente a gestão das atividades econômicas e a decisão sobre a partilha dos seus resultados, por meio da administração transparente e democrática, da soberania assemblear e da singularidade de voto dos associados; ii) tenham seus membros diretamente envolvidos na consecução de seu objetivo social; iii) pratiquem o comércio de bens ou prestação de serviços de forma justa e solidária; iv) distribuam os resultados financeiros da atividade econômica de acordo com a deliberação de seus membros, considerada a proporcionalidade das operações e atividades econômicas realizadas individual e coletivamente; v) destinem o resultado operacional líquido, quando houver, à consecução de suas finalidades, bem como ao auxílio a outros empreendimentos equivalentes que estejam em situação precária de constituição ou consolidação, e ao desenvolvimento comunitário ou à qualificação profissional e social de seus integrantes.
Ressalta-se que, embora “sociedades” sejam outro tipo de pessoa jurídica de direito privado (elencado no inciso II do artigo 44 do Código Civil), a Lei nos parece indicar que a adoção de forma societária ou de cooperativa não impede o enquadramento do empreendimento como beneficiário da Política Nacional de Economia Solidária (cujos benefícios ainda não foram regulados), devendo, em cada caso, seguir as regras aplicáveis ao respectivo tipo societário adotado.
Além disso, os empreendimentos econômicos solidários deverão ser cadastrados no Cadastro Nacional de Empreendimentos Econômicos Solidários, e classificados como pessoas jurídicas de fins econômicos sem finalidade lucrativa.
ii. Diretrizes, Objetivos e Princípios da Política Nacional de Economia Solidária
Dentre as principais diretrizes orientadoras dos empreendimentos beneficiários da Política Nacional de Economia Solidária, destacamos: administração democrática; sustentabilidade ambiental; cooperação entre empreendimentos e redes; inserção comunitária, com a adoção de práticas democráticas e de cidadania; prática de preços justos, de acordo com os princípios do comércio justo e solidário; respeito às diferenças e à dignidade da pessoa humana e promoção da equidade e dos direitos e garantias fundamentais; transparência e publicidade na gestão dos recursos e na justa distribuição dos resultados; distribuição dos resultados financeiros da atividade econômica de acordo com a deliberação de seus membros, considerada a proporcionalidade das operações e atividades econômicas realizadas individual e coletivamente.
A Lei ainda esclarece que o conceito de comércio justo e solidário consiste na prática comercial baseada nos valores de justiça social e solidariedade realizadas pelos empreendimentos de economia solidária. Por sua vez, o preço justo de produto ou serviço deve ser estabelecido a partir do diálogo, da transparência e da efetiva participação de todos os agentes envolvidos em sua composição, de modo que gere distribuição equânime do ganho na cadeia produtiva.
Os principais objetivos da Política Nacional de Economia Solidária são: contribuir para a concretização dos preceitos constitucionais que garantam aos cidadãos o direito a uma vida digna; fortalecer e estimular o associativismo e o cooperativismo, que caracterizam os empreendimentos de economia solidária; contribuir para a geração de renda, a melhoria da qualidade de vida e a promoção da justiça social; apoiar ações que aproximem consumidores e produtores, de modo a impulsionar práticas relacionadas ao consumo consciente e ao comércio justo e solidário; contribuir para a redução das desigualdades regionais por meio de ações de desenvolvimento territorial sustentável.
iii. Sistema Nacional de Economia Solidária (SINAES)
O SINAES visa promover a consecução da Política Nacional de Economia Solidária e possui como principais diretrizes: promoção da intersetorialidade das políticas, dos programas e das ações governamentais e não governamentais; descentralização das ações e articulação, em regime de colaboração, entre as esferas de governo; cooperação entre o setor público e as organizações da sociedade civil no desenvolvimento de atividades comuns de promoção da economia solidária.
Conforme disposto no art. 13 da Lei, o SINAES será integrado pela Conferência Nacional de Economia Solidária; Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES); órgãos da administração pública economia solidária; organizações da sociedade civil e os empreendimentos econômicos solidários; conselhos estaduais, municipais e distrital de economia solidária; Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e a União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias (Unicopas).
A Conferência Nacional de Economia Solidária será realizada com periodicidade não superior a 4 (quatro) anos e será responsável pela avaliação da Política Nacional de Economia Solidária. Por sua vez, o CNES será responsável por elaborar e propor ao Poder Executivo federal, com base nas deliberações da Conferência Nacional de Economia Solidária, o Plano Nacional de Economia Solidária, incluindo-se os requisitos orçamentários para sua consecução
Por fim, destacamos que a Lei foi publicada em 24 de dezembro de 2024 e entrou em vigor no mesmo dia.
A equipe de Direito Societário do Renault Advogados permanecerá à disposição para auxiliá-los no endereçamento do assunto.