Prosseguindo com a nossa série de informativos que proporcionam esclarecimentos sobre como preencher a Declaração do Imposto sobre a Renda de Pessoa Física (DIRPF) para o exercício 2025, referente ao ano-calendário 2024, nesta edição focaremos na tributação e na declaração de investimentos, bens e direitos detidos em trust no exterior, contemplando as alterações introduzidas pela Lei n° 14.754, de 2023 e pela Instrução Normativa RFB n° 2.180, de 2024.
O que é um trust?
Conforme estabelecido pela Lei n° 14.754, de 2023, o trust é um arranjo contratual regido por legislação estrangeira, no qual, uma pessoa, o instituidor (settlor[1]), transfere a administração de seus bens para um terceiro (trustee[2]), em benefício do próprio instituidor ou de beneficiários (beneficiary[3]) por ele nomeados através da escritura do trust (trust deed ou declaration of trust[4]), nos termos e condições definidos na carta de desejos (letter of wishes[5]), podendo ser revogável ou irrevogável.
Como tributar rendimentos bens e direitos objeto de trust na DIRPF?
Os rendimentos e os ganhos de capital relativos aos bens e direitos objeto do trust serão considerados auferidos pelo titular (que poderá ser o instituidor ou o beneficiário) na data em que percebidos e submetidos por este à incidência do IRPF, da seguinte forma:
- os rendimentos estão sujeitos à incidência do IRPF de 15% sobre o total anual dos rendimentos, na DIRPF, no período em que efetivamente disponibilizados; e
- os ganhos de capital obtidos na alienação, na baixa ou na liquidação de bens e direitos localizados fora do país (exceto os de aplicações financeiras), ficam sujeitos às alíquotas de 15% a 22,5% sobre o ganho.
De acordo com a Lei n° 14.754, de 2023, os trusts são considerados transparentes para fins fiscais.
Nesse contexto, caso o trust detenha uma aplicação financeira no exterior, esta será considerada como detida diretamente pelo titular do trust, hipótese em que serão aplicadas as regras de tributação de investimentos em aplicações financeiras no exterior (vide informativo específico de Aplicações Financeiras no exterior).
Caso o trust detenha uma controlada no exterior, esta será considerada como detida diretamente pelo titular do trust, hipótese em que serão aplicadas as regras de tributação de investimentos em controladas no exterior (vide informativo específico de Controladas no exterior).
Por sua vez, a distribuição pelo trust ao beneficiário possuirá natureza jurídica de transmissão a título gratuito pelo instituidor para o beneficiário – consistindo em doação, se ocorrida durante a vida do instituidor, ou transmissão causa mortis, se decorrente do falecimento do instituidor -, sujeita à incidência do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis ou Doação (“ITCMD” ou “ITD”)[6].
Como informar os bens e direitos objeto de trust na DIRPF?
Como vimos acima, os trusts são considerados transparentes para fins fiscais, devendo o titular (instituidor ou beneficiário) declarar os bens e direitos detidos no trust no exterior como se fossem detidos por ele diretamente e aplicar a regra de tributação do respectivo bem ou direito.
Nesse contexto, os bens e direitos detidos em trusts no exterior devem ser declarados na ficha de “Bens e Direitos” da DIRPF pelo: (i) instituidor a partir da criação do trust; ou (ii) beneficiário, quando distribuídos[7] ao beneficiário ou em caso de falecimento do instituidor, prevalecendo o que ocorrer primeiro.
Caso, na instituição do trust, o instituidor abdique, em caráter irrevogável, do direito sobre parte do patrimônio do trust, pode-se considerar que a transmissão aos beneficiários ocorreu na data da instituição do trust, atraindo a incidência do ITCMD[8]. Por outro lado, em um trust revogável, não há transmissão no momento da sua instituição. Nesse caso, a transmissão aos beneficiários ocorrerá na data do falecimento do instituidor ou na transferência dos recursos, situações em que pode ser considerada a incidência do ITCMD[9].
Os rendimentos (como de aplicações financeiras no exterior ou lucros em controlada no exterior), bem como o imposto pago no exterior sobre esses rendimentos, devem, em regra, ser informados na ficha de “Bens e Direitos”, nos novos campos específicos, conforme a sua natureza:

Rendimentos, como os provenientes de aluguéis de bens imóveis no exterior, detidos pelo trust, estão sujeitos ao recolhimento mensal obrigatório (carnê-leão) do imposto de renda, aplicado à alíquota progressiva de até 27,5% (como se detidos diretamente pelo titular). Esses rendimentos, bem como o imposto pago no exterior sobre esses rendimentos, devem ser informados na ficha de “Rendimentos Recebidos do Exterior”.
Os ganhos de capital devem continuar sendo informados separadamente, por meio do preenchimento do programa Ganho de Capital (GCAP), referente ao ano-calendário de 2024. Posteriormente, esses dados deverão ser importados para o programa da DIRPF 2025, que consolidará as informações relacionadas aos rendimentos na ficha de “Rendimentos Sujeitos à Tributação Exclusiva/Definitiva”.
DEMONSTRATIVO DE APURAÇÃO – LEI Nº 14.754/2023
Uma vez preenchida a ficha de “Bens e Direitos” com as informações relativas aos rendimentos obtidos em investimentos no exterior (como aplicações financeiras, entidades controladas no exterior e de bens e direitos detidos pelo trusts), o programa da DIRPF 2025 gera automaticamente o “Demonstrativo de Apuração – Lei nº 14.754/2023”, que consolida o IRPF devido. Vejamos:

Vale ressaltar que o imposto será consolidado ao imposto devido na própria declaração e que a visualização deste demonstrativo só é possível por meio da função de impressão da declaração.
A equipe do Renault Advogados permanecerá à disposição para auxiliá-los no endereçamento do assunto.
[1] Para fins do disposto na Lei n° 14.754, de 12 de 2023, considera-se instituidor (settlor), a pessoa física que, por meio da escritura do trust, destina bens e direitos de sua titularidade para formar o trust.
[2] Para fins do disposto na Lei n° 14.754, de 12 de 2023, considera-se administrador do trust (trustee): pessoa física ou jurídica com dever fiduciário sobre os bens e direitos objeto do trust, responsável por manter e administrar esses bens e direitos de acordo com as regras da escritura do trust e, se existente, da carta de desejos.
[3] Para fins do disposto na Lei n° 14.754, de 12 de 2023, considera-se beneficiário (beneficiary): uma ou mais pessoas indicadas para receber do trustee os bens e direitos objeto do trust, acrescidos dos seus frutos, de acordo com as regras estabelecidas na escritura do trust e, se existente, na carta de desejos.
[4] Para fins do disposto na Lei n° 14.754, de 12 de 2023, considera-se escritura do trust (trust deed ou declaration of trust): ato escrito de manifestação de vontade do instituidor que rege a instituição e o funcionamento do trust e a atuação do trustee, incluídas as regras de manutenção, de administração e de distribuição dos bens e direitos aos beneficiários, além de eventuais encargos, termos e condições.
[5] Para fins do disposto na Lei n° 14.754, de 12 de 2023, considera-se carta de desejos (letter of wishes): ato suplementar que pode ser escrito pelo instituidor em relação a suas vontades, que devem ser executadas pelo trustee e que pode prever regras de funcionamento do trust e de distribuição de bens e direitos para os beneficiários, entre outras disposições .
[6] Há discussões sobre a constitucionalidade da incidência de ITCMD sobre doação e herança do exterior por ausência de Lei Complementar que regule a matéria. Há discussões sobre a constitucionalidade superveniente da Emenda Constitucional nº 132, de 2023 neste tema. Devendo ser observado que alguns estados já editaram novas leis estaduais sobre o tema, alguns deles: Amazonas, Bahia, Goiás, Paraíba, Paraná, Piauí e Rio Grande do Norte.
[7] Para fins do disposto na Lei, considera-se distribuição (distribution), qualquer ato de disposição de bens e direitos objeto do trust em favor do beneficiário, tal como a disponibilização da posse, o usufruto e a propriedade de bens e direitos (Lei n° 14.754, de 12 de 2023, art. 12, inciso V; Instrução Normativa RFB n° 2.180. de 2024, art. 46, inciso V).
[8] Sobre o tema, ver comentário anterior sobre discussões quanto a constitucionalidade da incidência de ITCMD sobre doação e herança do exterior.
[9] Idem ao anterior.