Rol Taxativa da ANS – Entenda as atualizações feitas pelo STJ

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Inicialmente, importante deixar claro que, no recente julgamento sobre o tema (EREsp nº 1886929 e EREsp nº 1889704), o Superior Tribunal de Justiça não reduziu coberturas de saúde, mas confirmou a validade do que já estava previsto objetivamente na lei e na regulamentação, ou seja, que as operadoras de planos de saúde devem garantir a cobertura para todas as doenças e problemas de saúde relacionados pela OMS – Organização Mundial da Saúde, através dos tratamentos e procedimentos previstos no Rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. 

 
A Saúde Suplementar, como o próprio nome indica, consiste em alternativa à saúde pública, inserida no âmbito do direito privado e desenvolvida sem nenhum incentivo estatal, sendo integralmente financiada pelos próprios beneficiários. 

 
Existe uma lógica jurídica e estrutural insofismável ocultada pelas emoções em torno do tema. Quem paga pelos custos suportados com os tratamentos e procedimentos de saúde, inclusive aqueles não previstos no Rol da ANS, são os próprios beneficiários, especialmente e majoritariamente aqueles que não exigiram e não utilizaram coberturas imprevistas. 
 
Assim, quando se afirma que as operadoras de planos de saúde negam coberturas não previstas no Rol da ANS, é gerada uma percepção negativa em relação a algo absolutamente salutar e desejável. As negativas de coberturas não previstas no Rol da ANS identificam apenas a observância e o respeito à amplitude de compartilhamento de custos aceito por cada um dos beneficiários.  
 
No Brasil, a legislação não autoriza o modelo de plano de saúde por capitalização, isto é, não existe a opção de que a cobertura financeira de procedimentos e tratamentos seja arcada por um fundo individual formado a partir dos pagamentos realizados por cada um dos beneficiários. Por isso, nos planos de saúde pré-pagos – que constituem a quase integralidade dos produtos existentes no mercado – cada beneficiário compartilha os custos das coberturas demandadas pelos demais beneficiários compreendidos num determinado grupo. 

 
Ao contratar o plano de saúde, portanto, o usuário concorda que os valores pagos a título de mensalidade sejam utilizados para suportar os custos com as coberturas assistenciais dos demais beneficiários compreendidos num determinado grupo, sendo certo que o montante pago considera os potenciais custos com um conjunto de tratamentos e procedimentos que, apesar de bastante numeroso, possui amplitude determinada ao tempo da contratação e determinável a partir da inserção periódica de novas coberturas no Rol da ANS. 

 
Além de não ser juridicamente correto afirmar que os beneficiários estariam aceitando tacitamente compartilhar os custos de todos os possíveis procedimentos e tratamentos existentes, sem quaisquer limitações, também é pouco crível que, ao ser questionado, algum segurado aceite compartilhar todo e qualquer custo gerado pelos demais beneficiários, sem limite de amplitude, suportando também os aumentos decorrentes desse maior ônus. Não é comum que os indivíduos estejam dispostos a suportar riscos econômicos imprevisíveis. Em outras palavras, é pouco crível que cada beneficiário, individualmente, aceite compartilhar custos imprevisíveis e se obrigue a pagar contraprestação em patamares imprevisíveis. 

 
Ocorre que, ao defender o caráter exemplificativo do Rol da ANS, impõe-se que todos os beneficiários, independentemente da vontade individual, compartilhem os custos de todo e qualquer tratamento ou procedimento, ou seja, impõe-se aos próprios beneficiários a imprevisibilidade dos custos que compartilharão. Essa lógica, evidentemente, parece não ser compatível com um negócio jurídico desenvolvido no âmbito do direito privado, portanto, submetido à autonomia das vontades, que ainda sobrevive, apesar da excessiva regulamentação da matéria no âmbito do Direito Público. 

 
Então, vale questionarmos a nós mesmos. Aceitamos compartilhar os custos de todas e quais coberturas? Sem quaisquer limites qualitativos ou quantitativos? Aceitamos suportar os reajustes e/ou preços decorrentes desses custos? 

 
A amplitude dos procedimentos e tratamentos compreendidos no Rol da ANS remete a outro aspecto fundamental, relacionado à taxatividade. Ocorre que, ao admitirmos que as operadoras devem arcar com toda e qualquer cobertura, estamos também permitindo o custeio de procedimentos e tratamentos que podem não trazer efetivos benefícios para os pacientes, assim como a utilização temerária de procedimentos, que podem não ser verdadeiramente necessários. Essas circunstâncias podem gerar, inclusive, riscos à saúde dos próprios beneficiários. 

 
Os profissionais que atuam junto às operadoras se deparam cotidianamente com essas lamentáveis situações, ficando de mãos atadas frente às determinações judiciais e outras medidas promovidas por autoridades administrativas, no exercício do poder de polícia. Já tivemos a infeliz experiência de ver operadora de planos de saúde ser compelida a garantir cobertura para tratamento experimental realizado por médico que causou lesões irreversíveis em diversos pacientes e até a morte de um deles. Evidentemente, o procedimento realizado pelo médico não constava no Rol da ANS. 

 
Assim, podemos afirmar, a partir de casos concretos, que a taxatividade do Rol da ANS também salva vidas e pode evitar o agravamento do quadro clínico de pacientes. 
 

Existem muitas outras razões para defender a taxatividade, mas, infelizmente, o que vemos é a concentração dos debates em duas questões, quais sejam, o objetivo econômico da atividade e a garantia constitucional de acesso à saúde.  De forma igualmente infeliz, esses aspectos são abordados tendenciosamente ou até demagogicamente, já que a limitação da amplitude também revela um mecanismo para equalizar os interesses econômicos e o acesso à saúde suplementar. Para desmistificar a abordagem tradicionalmente realizada acerca dessas questões e demonstrar que os aspectos econômicos, inclusive, colaboram com a maior efetividade da garantia constitucional de acesso à saúde, não há necessidade nem mesmo de ingressar na distinção entre o acesso à saúde e o acesso à saúde suplementar, bastando pontuar uma dicotomia óbvia, que parece levar a uma escolha igualmente óbvia. Essa questão pode ser traduzida através de um questionamento. 

 
Qual dessas realidades deve ser preferida para garantir o maior acesso à saúde, através da Saúde Suplementar? Que muitos tenham acesso à cobertura de todas as doenças e problemas de saúde, através da garantia de um conjunto bastante amplo de tratamentos e procedimentos, porém determinado? Ou que poucos tenham acesso à cobertura de todas as doenças e problemas de saúde, através da garantia de todos tratamentos e procedimentos demandados por um número ainda menor de beneficiários?